Muito tempo se passou desde que nos relacionamos pela última vez. Muita coisa aconteceu. Bons momentos, maus momentos, todos carregamos marcas desse período. Um Ironman, o acidente de carro, a mudança, o sedentarismo, todos eles contribuíram para que nos afastássemos. Mas doía vê-la ali, parada, esquecida, tendo como companhia apenas a poeira que insistia em tomar sua superfície como uma era daninha. Não poder treinar, carregar a dor de uma lesão desconhecida, estar incapaz de se fazer o que gosta, persistir no erro, pagar com a dor por um breve momento de prazer, era a beira do precipício.
Chegou a hora então de fazermos algo para mudar tal situação. Tais situações! "Temos o problema, eu quero a solução", certo? Iniciei a reaproximação. Nada como uma bela limpeza, água corrente por toda sua extensão, capaz de fazer brilhar aquela que a muito dormia esquecida. A montagem minusciosa, a regulagem, pneus calibrados, pedais encaixados, rolo de treino em posição, estava tudo pronto. Ajustei-a ao equipamento, hidratação checada, tirei a farda do fundo do guarda roupas, a sapatinha escondida em uma mala e me preparei para o tão esperado momento.
Sentei-me e calmamente comecei a pedalar. "Volantinho" para aquecer, pois já são quase dois meses sem ao menos montar um bicicleta. Ainda tínhamos afinidade. Ela pedia mais, eu queria mais, porém um pouco de prudência na era má ideia. Apenas 5 minutos de giro e, com uma autonomia absurda, minha mão esquerda deu o tão esperado toque. Pronto, o "volantão" fora acionado, a bike parecia gritar de alegria, a barulho do giro acoava dentro do pequeno apartamento e, como nos velhos tempos, voltávamos a fazer força juntos.
Mas a empolgação começou a dar lugar ao cansaço e aos maus pensamentos. As pernas falseavam, a frequencia cardíaca já elevada, o suor escorria descontroladamente pela face. "Por quanto tempo pedalamos?". Apenas 10 minutos de força e já estava sentindo. Teria eu esquecido? Não, sem paranoia. Estamos apenas voltando. Não é a continuação de um trabalho e sim um recomeço.
Decidi que permaneceria ali por mais 20 minutos. Achei que 30 minutos seriam suficientes para quebrar o gelo. Relação de 53 X 17, 90 rpm, receita para o sucesso. Parecia que estávamos no caminho certo. Boa forma de se matar a saudade!!
Mas os 20 minutos pareciam eterrnos. A cada sensação de 5 minutos, uma checada no relógio e a terrível descoberta: 30 segundos passados. "Nossa, vou morrer!". "Não, não vou.". Aceito a condição de destreino, mas fraqueza mental não pode fazer ninho por aqui. "Foca no treino!". Boa Muru! Abaixei a cabeça e deixei fluir, buscando corrigir a pedalada, prestando atenção aos detalhes. Agora é a hora de lapidar, pois quando estivermos realmente em fase preparação, pequenos erros não sabotaram a atividade.
E assim cumprimos a meta planejada. De volta ao "volantinho", hora de reidratar, soltar a perna e dar uma desacelerada. Nossa, a quanto tempo não sentia aquele cansaço bom. já não me lembrava do que era enxarcar uma toalha. A bicicleta, coberta de gotículas, não deixava claro quem era o dono daquele suor: ela ou eu. Foi especial. Eramos ambos sobreviventes. Ela cheia de arranhões na pintura, uma manete torta, rodas empenadas, frutos da capotagem. Eu com algumas cicatrizes e dores pelo corpo. Ambos felizes por estarmos fazendo o que gostam. É isso aí, na alegria e na tristeza, até que a morte os separem!
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