Hoje foi dia de Batman. Uma
pequena intervenção em novo estilo de vida. Dividir as horas do dia entre
estudo, aulas e pequenas pausas para comer e dormir, vem sendo um duro
aprendizado. Não estou reclamando, longe disso, mas o corpo sofre para
completar o processo de assimilação. Por isso me permiti, sem muito peso na
consciência, desfrutar de um momento de prazer: assistir ao novo filme do
Batman nos cinemas.
A excitação pelo reencontro não
se faz necessário descrever. A certeza do compromisso trouxe-me lembranças do
texto escrito no outro blog, onde fazia alusão a esse super herói, tentando
ganhar forças para superar as dificuldades dos treinos nas ferrenhas batalhas
enfrentadas pelo Cavaleiro. Chegara a hora. Estávamos frente a frente novamente.
Construção dos Alicerces
O filme, já de cara, cria um
paralelo entre dois pilares centrais da trama: de um lado Bruce Wayne, vivendo
nas sombras sob lendas urbanas que pairam por uma Gotham , cidade em uma paz
que não lhe pertence; do outro apresenta ao mundo o que todos nós admiradores
esperamos por tantos anos: Bane. Não um balão de seiva, como o apresentado em
Batman Forever, total decepção. Agora se tratava do mais puro espécime de força
bruta, repleto de ódio e sofrimento, nutrido pelo tempo que passou esquecido
nas páginas dos gibis. Chegara sua hora e ele não iria desapontar.
Mas não são apenas os músculos
que lançam Bane ao centro do palco. Envolto por uma máscara que lhe mantém sob
o controle da própria dor que o persegue, é capaz de motivar pessoas, fazer
crer seus objetivos, gerar um objetivo comum, criar um exército de fieis
seguidores, capazes de achar na morte pela causa a maior retribuição pela
lealdade prestada. Instalados em Gotham, Escondidos no submundo dos esgotos da
cidade, aguarda momento exato de liderá-los rumo à guerra.
Enquanto isso, Bruce permanece
escondido, apoiado em uma bengala, rastejando pelos corredores de sua mansão,
sob os cuidados de seu eterno mordomo Alfred. Optou pela reclusão ao perder um
grande amor e ver Batman renegado pelos seus, acusado (injustamente) pelo
assassinato de um falso mártir. Pelo bem de sua cidade, ele se esconde.
Então é tentado pela jovem Selina
Kyle, uma bela senhorita que, dançando entre a inocência de uma ninfeta e a
malícia de uma gatuna, consegue não só roubar Bruce, como o faz após vencer um
sistema de segurança, até então, tido como intransponível, além de, com um
simples toque, jogá-lo ao chão com suas fraquezas. Do ponto mais baixo em que
poderia estar, foi capaz de ver que ainda poderia seu útil, que a calmaria era
utópica e que sua volta talvez fosse necessária. Após ser informado que o
eterno chefe de polícia de Gotham, Comissário Gordon, fora baleado, que um
mercenário habita o submundo de Gotham, as dúvidas já não o atormentam mais. Hora
de revisitar a caverna, conferir seus equipamentos, visitar o velho amigo Fox
(seu representante na empresa Wayne e fornecedor dos “brinquedos” mais
cobiçados do mundo).
Faz-se dia e o filme “esquenta”.
Bane e seu bando invadem a Bolsa de Gotham, dão início a um golpe e, após se
verem cercados pela polícia, dão inicio a uma fuga alucinante. E, em meio a
essa perseguição, em meio a uma queda de energia na cidade, a apreensão de um
oficial veterano no filme e de todos que assistiam ao mesmo, vem surgindo
mediante um barulho ensurdecedor e então ganha forma: sob sua moto (mais que
moderna!!!), o homem morcego deixa as sombras e volta à ativa Batman ressurge!
O filme segue, o embate toma
outro caminho, os pilares ainda não são postos à prova. Bruce Wayne, agora o
mais novo pobre de Gotham City, vê em Selina sua única chance de chegar a Bane.
Guiado pelos esgotos, o morcego se vê traído pela jovem e acaba se deparando
com o monstruoso mercenário.
O Primeiro Confronto
É horripilante olhar para o rosto
de Bane. Sua máscara, repleta de conexões, num primeiro momento pode se
assemelhar a dentes, como se tentasse dar um ar mais agressivo à besta. Mas
então os closes em sua face são constantes e a sensação de se ter duas mãos em
sua face, como se segurassem suas mandíbulas fica muito forte. É impossível
saber se estão ali na tentativa de abrir uma saída para tanto desespero
acumulado naquele ser, ou se, oriundas de toda a extensão da cabeça de Bane,
saibam o que habita aquela mente e tentam fechar o que seria a passagem para
todo o mal produzido, como se o sufocassem com suas próprias desgraças.
Enquanto isso Batman enfrenta seu
maior inimigo: ele mesmo. Bruce, fruto da violência de Gotham, sempre nutriu a
revolta pela perda brutal de seus pais e canalizou em Batman toda a sua
angústia por não ter sido apoiado quando mais precisou. Fez-se homem levando
uma vida dupla e brincando com a morte ao encarnar o vigilante mascarado.
E Bane sabe com brincar com isso.
Entre socos e pontapés, provoca os demônios que atormentam seu rival, o faz
encarar sua própria decadência. Aqui, o filme fundamenta-se no mundo dos
quadrinhos, trazendo à tona “O Cavaleiro das Trevas”, onde Batman se encontra
senil, consumido pelo tempo, obrigado a retomar sua vida dupla e a pagar pelas
limitações impostas pelo tempo. Nas telonas Wayne tenta recorrer àqueles
sentidos e movimentos que o fizeram triunfar, mas ali parecem não surtir
efeito. A cada golpe, uma humilhação. Bane se delicia com a fragilidade do
herói. Sem fundo musical, a intensidade da cena é ditada pela ofegância de
Bruce, suas explosões de ira e seus revides inúteis. Nesse momento a palavra
“trevas” ganha notoriedade, transcendendo seu conceito superficial, o qual
remete Batman à escuridão de uma caverna e traz à todo o vazio que habita
aquele ser, o abismo no qual permanecera por tantos anos, sozinho, sem
perspectivas maiores. Dá mais significado ao negro das vestes que, mais do que
fator de camuflagem, expõe ao mundo quem realmente é Bruce Wayne. Após sofrer
submeter o homem morcego a todo tipo de castigo, Nolan tem a frieza de
reproduzir aquela que estampou o fim de Batman nos quadrinhos, o golpe de
misericórdia. Como se carregasse um pequeno graveto, Bane ergue Bruce acima de
sua cabeça e o descarrega em seu joelho. Um estalar causa desconforto a todos
que presenciam a cena. Seria o fim?
Gotham “Cityada”
Bruce é levado à pior prisão do
mundo, berço de seu algoz e sua provável sepultura. Lá, impedido de se
locomover por conta do deslocamento de uma vértebra, é mantido vivo para
assistir ao trágico fim arquitetado por Bane. Esse inicia seu movimento popular
e, genialmente, consegue reter toda a força policial de Gotham nos esgotos e
facilmente tomar o poder. Está instaurado o caos.
Bruce inicia seu processo de
recuperação. Conhecedor da linha temporal dos planos de Bane e auxiliado por um
médico exilado na prisão, calcula exatamente o quanto lhe resta para impedir o
fim de sua cidade. Uma serie de flexões no inferno em que se encontra, tende a
passar despercebido aos olhos dos menos atentos. Porém instiga os demais a se
reconfortarem em suas poltronas. Sabem que o velho morcego assimilara suas
fraquezas, mas ainda possuía total discernimento sobre suas capacidades. O que
havia sido imposto a ele como castigo, acabara se transformando em aprendizado.
Era chegada a hora do retorno.
O Segundo Confronto
De volta a Gotham, Bruce recorre
mais uma vez a, agora devidamente apresentada por suas atividades, Selina Kyle.
Ela sabe que o traíra seguidamente, mas ele parece não se importar muito cm o
fato, transparecendo saber que, na verdade, ela o levara até onde ele esperava
chegar. Mais uma vez juntos, iniciam a operação. A bela mais uma vez não se
compromete a permanecer fiel aos propósitos. Seria um ato apenas e o fim.
Conseguem então libertar a força
policial e, agora munido de um exército, Batman se vê pronto para liderá-los em
busca da retomada do controle.
O embate final é digno das
grandes guerras medievais. Os exércitos se projetam a um ponto em comum,
atirando uns contra os outros, transpondo os corpos que vão desfalecendo ao
longo do caminho. O encontro traz um poder descomunal, tamanha a massa
envolvida. Em meio aos “soldados”, Batman e Bane se procuram. E se encontram.
O Morcego agora parece ter controle
sobre suas emoções. Os dois ex-guerreiros da Liga da Escuridão desferem toda a
técnica compartilhada no treinamento comum. Agora a força bruta de Bane parece
não ser um obstáculo intransponível. Com golpes precisos, Batman toma o
controle da situação, danifica a máscara de Bane que, agonizando pela dor agora
explícita, inicia um ataque frenético e descontrolado. Completamente consciente
de suas ações, o Cavaleiro vai impondo todo o castigo possível ao vilão que
causara tanta destruição em seus mundos.
Prestes a dar se golpe de
misericórdia, Batman se vê assolado por um golpe de traição. Ainda sem
processar o que estava a acontecer, é colocado a par da real situação, da
imensidão do plano e do papel secundário de Bane. Agora, mais uma vez condenado
à morte, ferido e sem recursos para se libertar das garras de seu carrasco, o
filme vira. Selina, popularmente conhecida por nós como Mulher Gato, mantém-se
fiel aos seus instintos: independente, arisca, indomável, não se faz submissa a
um dono, mas como um verdadeiro felino, não mede força para defender os membros
de seu bando. Retorna ao confronto e, sob posse de um dos brinquedos de Bruce,
extermina o grande Bane.
A partir daí segue-se as
sequencias lógicas para que tudo dê certo.
Forças são concentradas para livrar Gotham da destruição, Batman oferece
sua vida, mais uma vez em prol da cidade e, por fim, aqueles que por muito
foram protegidos pelo Cavaleiro e em diversas oportunidades o desprezaram,
enfim reconhecem seu valor e, em meio à sua provável morte, inauguram um
estátua do Homem Morcego.
Mais uma vez, Christopher Nolan
presenteia os fãs de Batman com uma leitura digna daqueles que cresceram
perdidos no mundo dos HQs, conseguindo representar muito mais que socos,
pontapés e efeitos especiais. Apresentou-nos o Curinga em sua forma mais
delinqüente, completamente perturbado, capaz de tornar Batman secundário em seu
próprio filme. Agora rege a obra com maestria, retirando de todos o máximo,
causando desconcertamento aos que assistem ao filme, erupcionando todo o drama
que por ventura ainda não havia sido percebido em torno de Batman. O Cavaleiro
das Trevas ressurge sim. Após um hiato na série, conclui sua trilogia com chave
de ouro, mas sem antes abrir possibilidades para novos projetos. Resta-nos aguardar
por mais um grande espetáculo. Cerram-se as cortinas. O Homem Morcego
refugia-se na escuridão mais uma vez.
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